Velório
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Na Idade Média, descobriu-se que
a ingestão de bebidas alcoólicas em copos de estanho (material comumente
utilizado nas pratarias da época) liberava uma reação química que produzia um
efeito colateral incomum em algumas pessoas, uma espécie de narcolepsia,
sonolência crônica, que em tempos de poucos recursos chegou a confundir pessoas
que acabaram enterrando defuntos “prematuros”, ou seja, vivos.
Para evitar que esse tipo de
ocorrência voltasse a suceder, criou-se o hábito de esperar dois ou três dias
para enterrar de vez o corpo, instituindo assim o que hoje conhecemos como
velório.
Fato é que hoje em dia a
incidência de tal acidente possui chances bem menores de acontecer, no entanto,
o velório é parte integrante de nossa tradição social, ao menos aqui no Brasil,
e é nesses momentos que familiares, amigos e até mesmo curiosos reúnem-se para
chorar a morte do ente querido, relembrar suas histórias, abraçar-se
mutuamente, confortando os que sofrem e até sorrindo com as boas recordações da
vida daquele que se foi e deixou seu legado que já ali já começa a ser
transformado em história.
Sobre a morte, cada pessoa ou
grupo possui uma interpretação e faz suas suposições particulares, no entanto,
o que sabemos é que alguém se foi e desaparecerá para sempre de nosso convívio.
Neste mundo real de coisas palpáveis e visíveis nos relacionamos somente com os
vivos. A isto damos o nome de con-vívio! Os mortos se vão, sabe-se lá pra
onde... uns dizem que para o céu, outros se justificam como bons dizendo que os
maus vão para o inferno e ainda há os que entendem que tudo está em constante
transformação, numa eterna linha metamórfica que nos faz ressurgir cada vez
numa situação e corpo diferente. Mas disso ninguém pode ter a absoluta certeza,
senão a que vem de sua fé!
A fé é essa convicção inexorável
que nos mantém solidificados diante do oculto e que nos faz renovar as
esperanças em situações incompreensíveis. É a fé que nos resta em momentos como
esses.... momentos de velório, diante dos quais sabemos que o morto não irá
simplesmente despertar de um sono profundo, não diante de nós. Talvez, quem
sabe, diante de outras pessoas, vestidas de branco, vivendo num novo mundo,
despido de um corpo tão corrupto e frágil como este que vestimos aqui no
planeta Terra.
Quem sabe ao acordar do “outro
lado” o defunto daqui encontre as respostas que tanto nos intrigam e nos tiram
o sono. Não sabemos, mas cremos!!
Só não creio que acabar aqui
significa acabar pra sempre. Isto não! Termina aqui, mas não termina pra
sempre, pois se até as histórias dos mortos se transformam em lendas e
atravessam tempos e eras, então, é bastante compreensível que o espírito de
alguém não se desintegra assim, simplesmente, evaporando no ar.
O corpo adoece, cansa e se
desfaz. A alma, dependendo de sua força, fica por um tempo produzindo histórias
e memórias que vão além do corpo, como se fossem reverberadores de uma existência.
O espírito, a essência, a vida verdadeira do ser, esse não tenho como afirmar
para onde vai, mas tenho fé de que volta para seu Deus, que se reencontra com o
Pai, retorna para o Lar Celestial, despindo-se da corrupção, do cansaço e do
transitório, vestindo-se de eternidade, força incorruptível e alegria
sobrenatural.
Enfim, creio, tenho fé, mistifico
no momento em que não consigo explicar, mas sinto que a história de alguém que
daqui se vai reinicia de um novo modo, numa nova dimensão, onde o espelho é
mais claro e as intenções estão patentes aos olhos de todos e o mal humano da hipocrisia
que se vende para comer o prato do dia, fingindo ser o que não é, este enfim,
termina e fica por aqui.
Hoje vou chorar a morte de alguém
que se foi, acreditando que um dia ainda vamos sorrir juntos.
Amém!