O Evangelho de Judas
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“Satanás entrou em Judas, chamado Iscariotes, que era um dos Doze. então ele saiu, e foi tratar com os chefes dos sacerdotes e com os oficiais da guarda do Templo, sobre amaneira de entregar Jesus. Eles ficaram alegres, e combinaram dar-lhe dinheiro. Judas concordou, e começou a procurar uma boa oportunidade para entregar Jesus, sem que o povo ficasse sabendo. Chegou o dia dos Ázimos, em que se matavam os cordeiros para a Páscoa. Jesus mandou Pedro e João, dizendo: Vão e preparem tudo para comermos a Páscoa”.
Lucas 22:3-8
Quero falar de Judas! Essa figura malfadada, odiada e relembrada com socos e pontapés por piromaníacos em alguns lugares do Brasil quando em sábado de aleluia.
A vida e a atitude de Judas Iscariotes têm muito mais a dizer para nós crentes dos dias atuais do que se prega comumente.
Sim, ele foi o traidor e comprou um campo de sangue com trinta moedas de prata (o preço de um escravo), mas existem muitas coisas dentro dessa história que tem edificado minha vida e mudado minha relação com as esperanças acerca das promessas de Jesus e do Reino de Deus e ainda de sua manifestação na Terra.
Vamos estudar algumas coisas da vida do infeliz irmão e ver o que podemos tirar para nós como lição hoje:
Quem era Judas?
Para um julgamento mais profundo de seu ato de traição, é importante procurar entender sua mente e o tipo de esperanças que ele possivelmente tenha depositado na pessoa de Jesus, bem como o prisma de sua identificação com as pregações do Messias.
Iscariotes
O sobrenome de uma pessoa daqueles tempos, quase sempre mencionava algo que definia sua posição social, profissão ou ideologia. No caso de Judas, Iscariotes é uma palavra que foi provavelmente traduzida do hebraico Ish Sicarii que, além de significar literalmente, “homem do punhal”, está também ligada a palavra Sicário. Os sicários eram uma ramificação da organização dos Zelotes, um partido político que lutava pela libertação de Israel do domínio imperial romano.
Apesar da palavra “zelote” significar simplesmente alguém com excesso de entusiasmo, ou com muito zelo, sua origem está atrelada com o movimento político judaico do primeiro século depois de Cristo que procurou incitar o povo da Judéia a se rebelar e expulsar os romanos pela força das armas. Quando os romanos introduziram o culto do imperador na Judéia, os judeus revoltaram-se e foram derrotados. Os zelotes continuaram a opor-se aos romanos, argumentando que Israel pertencia apenas a um rei judaico descendente do Rei Davi. Se opunham radicalmente ao pagamento de tributo dos israelitas a um imperador pagão, fundamentados na alegação que isso era uma traição contra Deus, o verdadeiro Rei de Israel.
Podemos dizer que ideologicamente, Judas teria pertencido a um grupo de revolucionários que, segundo é possível deduzir, são os avós dos homens-bomba de hoje, que não hesitaram em fazer da guerrilha sua arma em prol do ideal da restauração da soberania de sua amada pátria Israel.
Discípulo de Jesus
O Evangelho puro e simples, livre de todos os institucionalismos que lhe foram impostos em séculos de ‘tradicionalização’ religiosa, é uma pregação que faz jus ao seu título: Boa Nova!
Quando Jesus manifestou ao mundo sua mensagem, apontou-nos um rumo espiritual de reconciliação entre nós e o Criador com base num discurso que foi e tem sido até hoje interpretado de muitas maneiras.
A maneira humana de operacionalizar sua fé é a criação de uma doutrina, ou seja, linhas de pensamento, regras, leis, dogmas e tradições construídas sobre uma revelação que se teve.
Se observarmos a pregação mais original de Jesus, em Nazaré, onde e quando Ele proferiu as palavras do profeta Isaías, veremos que os seus termos “me enviou a dar boas notícias aos pobres, a curar os corações feridos, proclamar liberdade aos escravos e pôr em liberdade os prisioneiros” pode ter uma interpretação doutrinária completamente política e social, que é a forma como eu acredito que Judas tenha recebido a profecia em seu coração.
Um discurso baseado em temas como ajudar aos pobres e libertar prisioneiros e escravos certamente veio ao encontro dos anseios pessoais não somente de Judas, mas de outros discípulos também.
É certo que havia uma compreensão simplista na formação doutrinária de alguns dos seguidores de Jesus que os levou a compreender que Ele iria estabelecer um Reino terreno naquele exato momento da história, desbancando a opressão tirana de Roma contra Israel.
As muitas palavras de Jesus acerca de justiça, paz, respeito, igualdade e até mesmo sobre redistribuição equilibrada de riquezas saíram do âmbito espiritual adentrando numa esfera real para seus discípulos, gerando nos mesmos uma esperança de que o mundo ao seu redor seria revolucionado e de que tudo aquilo seria trazido à existência entre eles já naqueles dias.
Note que esse tipo de esperança, baseado nesse axioma filosófico consiste num equívoco institucionalista que é muito comum entre nós ainda hoje: o de transformar as palavras de Jesus, que são verdadeiras gemas espirituais, em teologias plásticas, moldáveis aos nossos anseios pessoais.
Judas, como um idealista político, logo se identificou com a mensagem do Evangelho, porém, a maneira equivocada e tendenciosa como ele processou e digeriu aquela mensagem, lhe gerou esperanças falsas sobre a instituição de um Reino baseado numa justiça forjada pelo seu próprio senso de justiça.
O fim disso tudo não poderia ser outro senão uma profunda decepção que o conduziu a mais terrível e injusta atitude que ele poderia ter.
Traidor
Dentro desse quadro que se poderia pintar em cima desta história que estamos estudando, é possível aceitar que altos níveis de decepção com Jesus e sua pregação surreal devem ter sido os mais elevados.
Em minha carreira ministerial, vi e ainda vejo muitas crentes abandonarem suas comunidades e passar de discípulos fiéis a críticos implacáveis do sistema eclesial ou do próprio Senhor Jesus.
Gente que acreditou que a cura de seu filho condenado à morte pela medicina viria e não veio, ou gente que esperava que determinados vícios pecaminosos fossem exorcizados de si mesmo, o que acabou não acontecendo, enfim, milhares, milhões de pessoas que se decepcionaram com Jesus por causa da maneira como interpretaram sua pregação.
Dando uma de psicólogo (o que não e a minha, definitivamente), acredito que da perspectiva de Judas, lá dentro de seu coração, Jesus foi quem o traiu!
Se observarmos as palavras que antecedem o texto que estamos usando como base para esta reflexão, logo ali no capítulo 21 de Lucas, veremos que Jesus faz questão de mostrar que a carreira dos discípulos seria marcada por muitas perseguições e afrontas, humilhações e mortes, mas reflita comigo que tudo isso é estranhamente oposto ao ideal de Reino de Deus que qualquer pessoa “humana” possa conceber em sua mente.
Todos nós temos muitas informações em nosso interior que nos tornam capazes de formatar conceitos rapidamente sobre diversos assuntos, que é o que chamamos de lógica. Vou tentar dar um exemplo prático: um pastor de grande expressão aqui no Brasil ao ser perguntado sobre a base da sua pregação da Teologia da Prosperidade, responde assim ao repórter: “Se Deus é um Rei e nos somos seus filhos, então somos ricos, pois nunca se viu um rei pobre”.
É uma constatação lógica mas, convenhamos, não passa de um postulado autoritário, uma máxima que nunca encontrará 100% de respaldo na realidade dos fatos. Ou seja, na igreja desse pastor devem existir muitos pobres, como é peculiar ao país em que vivemos e isso deve gerar uma tremenda decepção em muitos desses pobres, ou consigo mesmos por sua alegada falta de fé e não observância total dos ritos, ou o que é pior, com Jesus.
Muitas pessoas ao ouvir uma pregação que parte de um púlpito, são incapazes de considerar que ali está um homem falando e que suas palavras podem não ser exatamente as palavras de Jesus, mas de alguém que recebeu uma revelação e a transformou em doutrina, popularizando-a.
Pra um entendimento melhor cabe aqui aquela frase: “Comer gato por lebre!” (Disseram que era carne de lebre, comeu e não gostou, mas na verdade era carne de gato. Depois, a pessoa sai por aí dizendo que carne de lebre é ruim).
Ao sentir-se decepcionado e não suprido em suas reais esperanças acerca do Evangelho pregado por Jesus, Judas fez algo muito natural nos dias de hoje: capitalizou em cima da situação!
Essa nossa realidade capitalista embotou de tal forma nossa mentalidade que pouco percebemos que a proporção de “Crentes Judas’ que existe hoje na igreja é algo assombroso. De fato, todos os discípulos foram chamados a carregar a cruz, negar-se a si mesmos e seguir os passos sacrificiais de seu Mestre e não a lucrar com o Evangelho.
- O único discípulo que ganhou alguma grana com Jesus foi Judas!
Os outros foram massacrados por sua fé, decapitados, crucificados, perseguidos, humilhados...
O Evangelho de Judas
Hoje, se fala muito naquilo que o Evangelho proporciona ao indivíduo que crê, seus amplos benefícios nas áreas da saúde, família e finanças, como se o seu objetivo principal fosse o bem estar das pessoas, o que, pasmem, não é verdadeiro.
Embora tudo isso esteja previsto como bênção espiritual legada à Igreja, o Evangelho deve produzir em cada crente uma capacidade de entrega de sua própria vida para que o pleno cumprimento dos propósitos mais nítidos de Jesus ocorra em cada geração.
Coisas como o estabelecimento do Reino de Deus e suas virtudes de paz, justiça e gozo sobrenatural e ainda o cumprimento do principal mandamento, que é o amor a Deus e ao próximo, bem como a Grande Comissão, devem ser o objeto da busca obsessiva de cada crente e não meramente a sua realização pessoal.
Por mais cruel e impopular que possa parecer esta definição que estou dando à causa do Evangelho, minha preocupação é a de trazer à tona a compreensão de que a doutrina pregada e vivida por Jesus e os discípulos fiéis nada tem de semelhante à filosofia humanista (homem no centro) que impregnou o cristianismo dos últimos tempos.
Uma compreensão incorreta acerca do Evangelho certamente acarretará expectativas irreais e isso poderá gerar decepções no coração das pessoas enganadas.
Devemos empreender uma busca pela Verdade, por mais que a mesma seja dura e cruel. A fantasia é uma grande vilã, inimiga da pregação do Evangelho genuíno e acaba se tornando uma espécie de droga alienadora, distanciando os crentes da verdadeira manifestação do Reino de Deus em nós e em nosso derredor.
Uma síntese do que poderia ser o que estou chamando aqui de Evangelho de Judas é a máxima que tem se tornado clássica nas igrejas, principalmente as neo pentecostais, que garante que se Deus não fizer aquilo que o pregador está dizendo, ele rasga a Bíblia.
Ou seja, se o Evangelho não vem de encontro às minhas necessidades pessoais, então ele não serve pra mim e eu então me vingo dele, mas não sem antes ganhar uma grana!
Este engano é fruto da tenebrosa arrogância que obscurece o coração dos homens, tornando-os incapazes de perceber a graça e a beleza do propósito de Deus que foi revelado na vida e na atitude de seu Filho para cada ser humano.
Ainda é tempo de recebermos luz sobre nossas trevas e termos as nossas mentes esclarecidas pela manifestação genuína do Evangelho da graça, que produz riquezas sobrenaturais amplamente acima de qualquer sensação ou realização deste mundo.
Cabe a nós escolher a qual grupo de pessoas pertenceremos: aos seguidores do evangelho de Judas, que esperam conquistar seus objetivos pessoais através de Jesus ou ao grupo dos que entraram no Cenáculo com Cristo para receberem de suas próprias mãos o Pão e o Cálice de sua Páscoa, símbolos do sacrifício e da morte que produzem salvação eterna ao que crêem.
Essas duas portas estão abertas diante de nós hoje: a porta dos que lucram em nome de Jesus e a porta dos que se entregam em nome de Jesus!