O Demônio do CNPJ


Toda igreja nasce organicamente. Tudo nos primeiros instantes da comunidade que está sendo gerada é lindo, puro, cheio das mais excelentes intenções. Questões sobre sua manutenção, lances de dinheiro, estrutura predial, cadeiras são surreais, pois sendo um grupo pequeno e “despretencioso”, tudo se resolve pela partilha do que se tem e do que se necessita.

As coisas vão andando mansamente até que, num momento crucial, devido ao crescimento do número de pessoas, o lugar fica pequeno, a garagem, a sala da casa de alguém (ou o salão do bar) não é mais o bastante para abrigar um projeto que começa a se tornar algo maior.

Inicia-se o processo da necessária institucionalização! Chegou a hora de sair da informalidade e criar uma Organização da Sociedade Civil.

Elege-se, para tanto, um presidente, secretário e tesoureiro e faz-se, então, um Estatuto Social, que passará a disciplinar as ações e objetivos da "igreja".

Uma arrecadação sólida se torna fundamental para se alugar um prédio, honrar seus fiadores, levar em consideração que virão contas de luz, de água, sem falar na compra de instrumentos musicais. Seria bom pensar em contratar um zelador, de preferência que more no local, pois os assaltantes de hoje em dia não respeitam nem a casa de Deus.

Note que o que era somente uma reunião caseira e intimista que tinha base no ensino da Palavra, na amizade, na adoração a Deus e no serviço cristão, agora, necessita de uma estrutura mais arrojada. Entra-se por um caminho que parece não haver como retroceder, pelo contrário, só aumentam as exigências. Os compromissos se tornam cada vez mais caros, programas de rádio, ar condicionado, reforma do templo, contratação de novos obreiros... Eheh... que exagero!

Crescer é bom, mas a que preço?

Minha teoria é a de que quando fundamos uma pessoa jurídica, criamos junto uma necessidade paralela – concorrente - às necessidades primárias da comunidade.

São necessidades reais de um mundo real, mas não estou certo se são necessidades verdadeiras para a vida da Igreja. Lembro-me da história de certo pregador chinês que, dado ao crescimento de seu rebanho, pedia que o povo levasse cada um sua cadeira à reunião. Oras, cada um tem o seu banquinho em casa, leve-o ao local da reunião! Simples...

Me parece que o desejo de se estabelecer algo nesta terra - desejo que acho que todos nós crentes temos - anda na beirada entre a Obra de Deus e a necessidade de se auto afirmar como projeto humano, em nome de Deus.

Sinto nesta história, que no exato momento em que se cria um monte de necessidades e atribuições de pessoa jurídica, dando um nome, um endereço e uma carga de obrigações inerentes a uma organização humana constituída, se cria um jugo. Jugo esse que é repassado, sem o menor constrangimento em forma de milhares de apelos financeiros, os quais confundem-se entre as verdadeiras necessidades da Igreja de Cristo e as ambições humanas.

Chamo esse fenômeno carinhosamente de Demônio do CNPJ. Um espírito obviamente imaginário, mas que em minha opinião ajuda a descrever o caráter maligno que as expectativas institucionais podem gerar no coração humano, em detrimento da comunidade cristã orgânica.

Luto para me manter esperançoso de que esta não seja uma regra generalizada e tenho buscado também uma experiência pessoal em busca de um novo coração, que corra num novo sentido ou que simplesmente, não concorra com a vida simples e comum, que acredito, deveria continuar sendo a marca da igreja saudável, ao contrário de meros números e vultuosas conquistas.

rafa,

na revolução

2 comentários:

Wiliam disse...

Sola gratia, Sola Fide, Sola Scriptura, Soli Deo Gloria

Luciano disse...

Pois é! Na verdade este é o caminho natural de todo o trabalho que cresce! O que seria bom então, crescer e se institucionalizar ou permanecermos pequenos vivendo só de comunhão? Acredito que possa haver um meio termo nisso tudo.