Diálogo sobre construções
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Construção 1
- Do que é feita esta construção?
- ...areia, tijolos, cimento...
- E a mão de obra pra erguer o prédio?
- A gente arruma uns peões, uns arigós, gente forte, obediente e que custa bem barato.
- Mas funciona?
- Sim, só tem quer ficar em cima pois são meio preguiçosos, principalmente depois do almoço, mas pra evitar serviço porco, coloca um feitor que impõe respeito e eles andam na linha. Mas a ração tem que estar em dia!!
- E pra dar o acabamento?
- Chama a esposa do doutor, que ela é quem gosta dessas coisas de decoração. Parece que fez arquitetura!?
- ah... e mão de obra especializada pra isso, tem!!??
- O que mais tem é peão desempregado, sem perspectivas, corações perdidos, sem dono e sem rumo! A gente sabe bem onde e como encontrar esses talentos perdidos, esses tesouros enterrados. São esses que usaremos para dar acabamento em nossa belíssima construção.
*****
Construção 2
- De que é feita esta construção?
- Esta obra é do tipo das que construímos em nosso interior e é formada a partir de nossos sonhos, projetos que surgem lá de dentro de nossas histórias mais íntimas.
- E o que podemos usar nesse tipo de construção?
- Aqui os tijolos são idéias, o cimento é fé e a esperança é areia...
- E quem comanda a obra?
- Aqui os feitores são a música e toda arte e eles atuam dentro do coração dos trabalhadores.
- Sem forçar a barra?
- Claro, o chicote na mão do feitor é a paixão, pois tudo o que o trabalhador precisa é de inspiração.
- Mas a quem usaremos como mão de obra para tal construção? Custará caro, conseguiremos concluí-la a tempo do mundo ver nosso sonho concretizado?
- Usar, como assim? Nós não somos os donos do prédio, essa construção não nos pertence...
- Mas é o meu sonho...
- Não é!
- Então é de quem?
- Para responder a isto, precisamos saber de onde vem os sonhos... Quem plantou essa semente dentro de seu coração?
- Não tenho certeza, é algo tão profundo que acho que sempre esteve dentro de mim. Algo como uma vocação...
- Isso mesmo, vocação, chamado, uma voz que ecoa dentro de cada pessoa, como se lhe atraísse para perseguir um caminho...
- Sim, um caminho não óbvio, pois não vejo muitas pessoas perseguindo caminhos como este com o qual sonho...
- Justamente. Esta é a sua individualidade reclamando o caminho exclusivo traçado desde os céus para sua vida, o qual foi implantado dentro de você desde o dia em que veio ao mundo.
- ...
- Muitas pessoas abandonaram sua individualidade, seu caminho pessoal e preferiram assumir papéis, atuando nos filmes que outros dirigem. Isso é bem comum!
- Meu Deus, preciso me reencontrar...
- Sim, ainda há tempo para isto!
- Como faço?
- Hoje você está vivendo sob um personagem, você é um ator representando um papel que não é especificamente o seu e o pior é que está ajudando outros a construírem seus próprios sonhos egoístas. Seus prédios suntuosos, seus palácios egocêntricos e suas perspectivas enganosas daquilo que chamamos de "realização pessoal".
- E então??
- Bem, é tempo de se voltar para si próprio. Confrontar as tradições que recebeu, o legado que lhe colocaram como missão de vida e que mais se parece como um fardo pesado do que com uma vocação divina.
- Como faço isso?
- O caminho é sempre o mesmo: Deus habita dentro de cada pessoa e ocupa o espaço que lhe é oferecido. Reencontrar-se com Deus significa encontrar o seu verdadeiro eu. Sua vocação, seu chamado, seu status de filho de Deus só será desencadeado quando você for desvendado e passar a enxergar tudo com clareza.
- Mas eu já sou um cristão, por que não enxergaria com clareza? Você está dizendo que minha fé e tudo o que acreditei em toda minha vida está errado?
- O que estou dizendo é que você foi colocado à força numa construção que não é a sua e, por esta razão, está infeliz, insatisfeito e clamando por algo novo.
- O que seria "algo novo"? Algum novo movimento carismático, um avivamento...???
- Algo novo é na verdade algo que já está estabelecido há milhares de anos no universo. É a Boa Nova, o Evangelho, as palavras vivas que brotaram na boca de Deus quando andou sobre o mundo em forma de Homem.
- Mas tudo isso eu já sei e já pratico...
- Então de onde vem a insatisfação?
- Não sei... me sinto como se estivesse num lugar e numa situação onde não deveria estar, mas não consigo explicar...
- Veja bem! Quando Deus constrói algo sempre o faz sobre lugares arruinados... Foi assim na Criação do Mundo, quando seu Espírito pairava sobre o Caos... Deus quer pairar sobre o seu caos, sobre o caos de cada pessoa e reformar suas vidas.
- Hummm... isto seria então uma Reforma e não uma nova Construção?!
- Um pouco de cada coisa, pois quando Deus entra na vida de alguém, através da Revelação do Filho, Ele afirma estar fazendo novas todas as coisas. Mas, de fato, em nosso caso, carecemos de uma verdadeira Reforma para que possamos desconstruir nossa visão de religião, baseado em doutrinas estranhas á revelação do Cristo.
- Como assim?
- Um relacionamento verdadeiro com Deus se dá a partir da perspectiva de um relação entre pai e filho e nunca da perspectiva de um rei e seus súditos, seus escravos, seus peões...
- Agora estou entendendo toda nossa conversa...
- Sim, na Construção de Deus não há abusos nem exploração. Até mesmo quando alguém faz algo radical, como dar sua própria vida para morrer em uma caso grave de perseguição religiosa, isto é feito por fé, amor, sem que ninguém o tenha forçado a isto.
- Sim, esses foram os mártires da história da igreja...
- Os mártires foram homens e mulheres da história que encontraram-se a si mesmos na revelação do Filho de Deus e ousaram tirar suas máscaras, vivendo suas vidas como indivíduos, integralmente, sem teatros, sem meios termos... radicais!!
*****
Hoje vivemos diante de um tempo histórico. Digo diante pelo fato de que estar ou não inseridos nesse tempo/situação é questão de escolha. Entrar no profético de Deus, assumir a individualidade, desempenhar radicalmente o papel para o qual fomos destacados desde o dia em que fomos gerados em Cristo é fundamental para que os rumos históricos da Igreja sejam retomados.
Retomar os rumos não significa de forma alguma que Deus tenha perdido o controle, mas que nós, instituição igreja, saímos de seu propósito original. Nos vendemos á Babilônia, adentramos em seus negócios, nos tornamos grandes vendedores, ases da barganha e da enganação e o que é pior: estamos construindo nosso palácio usando a boa fé de crentes enganados, escravizando-os e usurpando seu senso de serviço ao evangelho, mesmo que falsificado, o qual não ama, não cuida, não protege, só escandaliza, massacra e subjuga de forma tirana.
Pessoas não são tijolos, não são material de construção, não são arigós, são pequeninos e esperançosos filhinhos de Deus.
Líderes, abram os olhos e reencontrem seus escrúpulos, suas identidades verdadeiras, arranquem suas máscaras de ilusionistas poderosos e retomem o caminho da piedade cristã. Retomem os caminhos da pegadas do Cristo!
Rafael Cardoso