Os Mucker - Fanatismo ou reavivamento?


Eram em torno de 150 pessoas, entre homens, mulheres e crianças, que se organizaram ao redor das interpretações da Bíblia e das mezinhas curativas de Jacobina Maurer e seu marido João Jorge Maurer, um casal de agricultores.

A partir desse núcleo menor, composto de umas 10 famílias - relacionadas entre si por vínculos de parentesco, afinidade ou parentesco ritual - desenvolveu-se uma ampla rede de apoio ao casal, o que pode ter envolvido cerca de 700 a 1000 pessoas, um número significativo para a população de São Leopoldo, estimada em 14000 pessoas, na época.

Os Mucker, como eram chamados, tinham um modelo de vida que se refletia, entre outras coisas, no desapego ao dinheiro e a uma relativização do valor da propriedade, tiraram seus filhos da escola e não participavam mais das atividades das igrejas institucionais.

Aliás, esse comportamento foi base para as acusações nos processos que corriam contra eles na justiça, mesmo que todos, sem exceção, foram julgados e absolvidos.

Considerado um fenômeno religioso único no Brasil por alguns, um movimento messiânico-milenarista, protestante não pentecostal. Para outros, como o historiador Martin Dreher, os Mucker representaram um reavivamento espiritual decorrente da seca espiritual fomentada pelos “pseudo-pastores”.

Ambrósio Schupp, que escreveu sobre os Mucker, chegou à seguinte conclusão: “é isso que acontece quando a gente lê a Bíblia!"

Piedade, protestantismo, reavivamento, leitura bíblica passam a ser sinônimo de muckerismo, um grupo que se esforçou por um cristianismo sem ostentação, tornando-se, assim, uma consciência acusadora para fariseus e justiceiros.

A líder do movimento, Jacobina Maurer, muito lentamente emergiu como líder carismática e em 1872, vizinhos e conhecidos dela e de seu esposo começaram a sair das suas comunidades protestantes e católicas, pararam de vender e de comprar produtos nas vendas da vizinhança, enterravam seus mortos nas suas próprias roças, passaram a assumir a responsabilidade de ensinar suas crianças e começaram a explicar a realidade que se configurava por meio de alegorias derivadas da literatura apocalíptica.

Dali em diante eles seriam tratados nas arenas públicas, inclusive e, sobretudo, nas igrejas, como incorporações de fanatismo, alienação mental, barbárie e criminalidade — dos púlpitos os clérigos começaram a pregar contra aqueles “falsos religiosos”, significado da palavra Mucker.

Aliás, as mães alemãs, ainda por muito tempo nas noites frias, buscando silêncio, implantando o medo, repetiam sempre a mesma cantiga ao pé da cama:

“Pass Dich uff! Sei Ruhig, sonscht komme die `Muckers' Dich hole!"
(Cuidado! Fica bem quietinho, senão os ‘Muckers’ vêm te buscar!)

Assim se construiu e manteve até bem pouco tempo a má fama do movimento e de sua líder.

Não pode ser descartada a hipótese de que a represália aos colonos que se reuniam ao redor de Jacobina e João Jorge tinha também a ver com sua crítica política fundada. Em 1873, em carta aberta ao Deutsche Zeitung (não publicada), João Jorge Klein (ex-pastor-colono e cunhado de Jacobina), mencionou corrupção na administração pública das colônias. Segundo ele, dinheiro para pontes era embolsado por políticos e empreitreiros e a coleta de impostos era injusta: “Tem, pois o pobre a pagar os impostos atrasados dos ricos? Há necessidade urgente de reformas”.

Com o agravamento do conflito, o presidente da província gaúcha, dr. João Pedro Carvalho de Moraes, determinou que o exército colocasse ponto final naquela desordem, razão pela qual o coronel Genuíno Olímpio de Sampaio, herói da Guerra do Paraguai, se dirigiu ao local comandando um contingente de 500 homens.
No cair da noite do dia 23 de junho de 1874, o militar ordenou a invasão da casa dos Maurer, mas os muckers, convictos de que quem acreditasse em Jacobina seria imune à morte, resistiram ferozmente, provocando 39 baixas às forças legais, e sofrendo apenas 6. Diante de tal reação o coronel Genuíno ordenou a retirada de suas forças, indo acampar a cerca de 10 quilômetros de distância, no local hoje conhecido como Campo Bom. Dias depois, em 19 de julho, após ter recebido reforços militares e a adesão de 150 colonos alemães voluntários, o comandante da tropa ordenou nova investida contra o reduto dos fanáticos. O assalto foi feito, e dessa vez com sucesso. Cerca de 12 homens e 8 mulheres muckers morreram durante o confronto, 6 homens e 36 mulheres foram presos após a invasão da casa, mas um bom número deles conseguiu escapar, inclusive Jacobina Maurer.

Achando que a vitória estava assegurada o coronel Genuíno retornou ao acampamento legalista, mas no alvorecer do dia seguinte, 20 de julho, este foi alvo de tiros disparados do mato próximo. Durante o cerrado tiroteio que se seguiu, o coronel, atingido na coxa por uma bala, teve uma artéria seccionada, vindo a falecer em virtude da hemorragia provocada pelo ferimento; o triste desfecho não pôde ser evitado porque o socorro médico havia se deslocado para São Leopoldo, com os feridos.


Os muckers sobreviventes, inclusive a senhora Jacobina, esconderam-se no morro Ferrabrás, mas foram denunciados por Carlos Luppa, que havia se desligado do grupo após perder sua família. Assim orientados, os soldados do governo, comandados pelo capitão Francisco Clementino Santiago Dantas, atacaram esse último reduto dos fanáticos e mataram a maioria deles, inclusive sua líder espiritual. Dos sobreviventes, alguns acabaram presos, mas os que escaparam mudaram-se para a Terra dos Bastos, em Lageado, onde, no Natal de 1898, foram atacados e linchados por colonos locais que acreditavam terem sido eles os assassinos de uma certa senhora Shoreder, na verdade eliminada por seu próprio marido, que queria casar-se com outra.

"Onde é derramado sangue e onde as vítimas são tratadas com injustiça, surgem, e terão que surgir, movimentos que por muito tempo agitarão o povo. Assim, surgiram com quase todas as religiões: sangue e injustiça são os promotores de grandes acontecimentos sobre os quais a historiografia terá que escrever um dia", diz Carlos Henrique Hunsche, um dos maiores pesquisadores sobre os Mucker.

E assim, o último livro sobre os Mucker ainda não foi escrito, a historiografia pede a verdade, unicamente a verdade.

Pequena biografia de Jacobina e seqüência dos fatos na história dos Mucker.

Nome: Jacobina Mentz Maurer

Nascimento: junho de 1841 ou 1842. Nasce em Hamburgo Velho, RS. Filha de André Mentz e Maria Elizabeth Müller. Ambos alemães.

Profissão: dona de casa.

4.ABRIL.1854: É crismada em Hamburgo Velho. Aos nove anos, perde seu pai. Passa a sofrer influência de sua mãe, uma mulher muito religiosa e de princípios rígidos. Aos doze anos, começam seus "estranhos ataques". Na escola, passa por aluna de difícil percepção. Doutor Hillebrand aconselha a família que procure, "o quanto antes", um casamento para Jacobina.

26.ABRIL.1866: Casa com o carpinteiro João Jorge Maurer, descrito como um homem insinuante, boa índole, de trato amável. O casamento é realizado em Hamburgo Velho.
1867: Nascimento de seu primeiro filho, Jacob, (que desaparece das cenas do Ferrabrás e ressurge em registros de 1920, em Uruguaiana, como eficiente pregador da Igreja Adventista do Sétimo Dia e carpinteiro, como o pai). Jacobina adoece de repente. Fica muda e alheia a tudo. No segundo semestre, mudam-se para Ferrabrás, cenário dos acontecimentos do episódio conhecido como Mucker.

1868: Nascimento de seu segundo filho, Henrique. Aparecimento de Buchorn, que ensina Maurer a praticar o curandeirismo, o que o tornará famoso. São atraídos os primeiros seguidores da seita, mas não despertam mais que olhares atravessados dos católicos, dos comerciantes e das autoridades. Maurer passa a ser considerado o Wunderdocktor, ou seja, o Doutor Maravilhoso.

1869: Nascimento de seu terceiro filho: Francisco Carlos.

1870: Nascimento de sua quarta criança: Matilde.

1871: Por essa ocasião, aparece um opúsculo sobre sonambulismo na zona rural do Estado. Identificam Jacobina como vidente e curandeira, devido ao seu estado de sonambulismo, e, como tal, sabedora de segredos desconhecidos aos demais mortais. Aumenta o número de curiosos na casa dos Maurer.

1872: Nascimento de sua filha Aurélia. Quando sua mãe foi assassinada no Ferrabrás, tinha dois anos e três meses. Vinte e três anos depois, surge referência a Aurélia. Casada com Miguel Nöe, filho de um Mucker convicto e autor de importantes memórias. Aurélia, aparentemente era médium, como sua mãe. No final desse ano, os Mucker começam a ser pressionados. Abandonam escolas, igrejas. Começa a ascensão de Jacobina.

1873: Declínio da influência do curandeiro Maurer. Jacobina escreve, pela mão de Klein, para seu irmão Francisco. Franz, como era chamado, era o único irmão que não pertencia à seita. A partir de maio, Jacobina e alguns Mucker abandonam as igrejas.

21.maio - Maurer é enviado a Porto Alegre, preso, depois de prestar depoimento.
22.maio - Jacobina é levada para São Leopoldo, presa, por uma escolta de oito praças, em uma carreta. A viagem durou nove horas. Foi insultada, exposta ao público.
23.maio - Jacobina responde a interrogatório do chefe de polícia, revelando inteligência e sagacidade.

24.maio - Jacobina é internada na Santa Casa de Porto Alegre. O chefe de polícia ordena uma busca na casa dos Maurer.

13.junho - Alta de Jacobina, sendo constatado que não portava nenhuma enfermidade.
05.julho - Jacobina e o marido são mandados para São Leopoldo. João Jorge assina um "termo de bem viver". Voltam para o Ferrabrás como heróis.

Final de 73 - Viagem de Maurer ao Rio de Janeiro. Rodolf Sehn ocupa o lugar de receptáculo das mensagens de Jacobina.

1874: Ascensão de Rodolfo Sehn. Nascimento de Leidard, no mês de maio, sexta e última criança de Jacobina. Jacobina envia uma carta pela mão de Klein, a Lúcio Schreiner, querendo saber notícias da ausência de seu marido. Chacina da família Kassel em quinze de junho. Martinho Kassel, ex-Mucker, agora é ativo propagandista anti-Mucker. Recorre à polícia. Sua casa é incendiada com a mulher e os filhos.
A violência explode na colônia. Klein é preso e enviado a Porto Alegre. Crimes são praticados em Campo Bom e Sapiranga. São incendiadas casas na Picada do Hortêncio e em Linha Nova. Antes do último combate, Maurer se despede de Jacobina. Jacobina pede que lhe escrevam uma carta, na qual diz onde deveriam ficar seus cinco filhos e com quem. Leidard, cuja morte é controvertida, permanece com ela.

19.julho - capturados os cinco filhos de Jacobina. Combate no Ferrabrás.
20.julho - Morre o Coronel Genuíno Sampaio. Comandava as poderosas forças militares inimigas dos Mucker.

Assume o comando repressor o Capitão Dantas, do 12° Batalhão de Infantaria.

02.agosto - morre Jacobina, com mais dezesseis adeptos.

Leia mais em:

http://www3.est.edu.br/nepp/revista/002/02elma.htm

http://www.martiusstaden.org.br/files/MSJ/MSJ49.pdf

http://www.revistasusp.sibi.usp.br/scielo.php?pid=S0103-99892009000300011&script=sci_arttext

http://www3.est.edu.br/nepp/revista/002/ano02n1_09.pdf

http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolta_dos_Muckers

http://www.fernandodannemann.recantodasletras.com.br/visualizar.php?idt=367603

4 comentários:

Anônimo disse...

Bah, nunca tinha ouvido falar dos Muckers!!
Muito interessante saber sobre estas coisas, como foi dito, eu tbem nunca ouvi falar de um 'avivamento' ou algo deste tipo, ainda mais aqui no RS!

Anônimo disse...

Ai Rafa, já li o livro de Schup e li em outras bibliografias não católicas que esses caras matavam famílias inteiras. Eque tipo de avivamento é esse que manda matar?
Asafe Fagundes

Rafael Reparador disse...

Novas perspectivas históricas estão revelando outras visões sobre o episódio. Nem foram os católicos quem ficaram inimigos dos Mucker, mas os batistas.
É um fato histórico que está passando por novas avaliações, pois há indícios de que os registros que vc leu não serem completamente verdadeiros ou, no mínimo, tendenciosos.
Mas, aguardemos!!
Valeu pela visita, hein, Asafe... Abração!

Alex disse...

Acredito que quem trouxe esta ideia de avivamento ou pentecostalismo para os Mucker, foi João Jorge Klein, haja vista ele ter residido nos EUA e lá ser o berço de nascimento destes movimentos. nada comprovado ainda, mas devido a capacidade intelectual e envolvimento dele nas opiniões e ações do casal maurer, é possível.